Luz eterna
Em 2010, a revista
Trivela publicou uma entrevista fictícia com Garrincha como se ele estivesse
vivo, aos 77 anos, que foi baseada em um texto da revista Vanity Fair, onde
David Kamp escreveu uma entrevista fictícia com John Lennon vivo, aos 70 anos. E
inspirada nesse bate-papo com Garrincha, intitulada "Espírito Imutável" (se quiser conferir, clique aqui),
escrevo uma conversa com Nílton Santos, já não presente no planeta, mas em
qualquer lugar desse Universo.
Logo reconheci pelas fotos que tanto vi: era Nílton Santos. "Como assim"? "Aonde estou"? "Como vim parar aqui"? "Será que eu morri"? Fazia perguntas atrás de perguntas, tamanho o meu susto. Ele simplesmente me responde, com extrema sabedoria: "meu filho, não poderei responder suas perguntas. Algumas não sei te dizer, outras não tenho autorização de te falar. A única que posso responder é que você não morreu".
Sábado, dia 16 de maio de 2015, 19h. O jogo já tinha terminado.
Botafogo 4, CRB 1, no Nílton Santos. Em uma situação que não posso descrever,
ao piscar meus olhos, me deparo em um lugar desconhecido. Apesar de nunca ter
ido ali, não senti medo, pelo contrário. Parecia uma outra dimensão, longe do
planeta. Entretanto, me senti familiarizado naquele lugar. Uma luz que emanava
e iluminava todo aquele ambiente - apesar de ser noite na Terra.
De repente, surge uma pessoa com aparência jovial. Cabelos
escuros, bigode curtinho, corpo saudável, de atleta. Vestia uma camisa branca e
um cordão no pescoço. Calça branca, também, e sapatos de cor clara. Tudo muito
simples, mas de forma bem elegante.
Foto: Reprodução Internet |
Logo reconheci pelas fotos que tanto vi: era Nílton Santos. "Como assim"? "Aonde estou"? "Como vim parar aqui"? "Será que eu morri"? Fazia perguntas atrás de perguntas, tamanho o meu susto. Ele simplesmente me responde, com extrema sabedoria: "meu filho, não poderei responder suas perguntas. Algumas não sei te dizer, outras não tenho autorização de te falar. A única que posso responder é que você não morreu".
Enfim passado o susto, voltei ao meu estado normal. E quis
aproveitar aquele momento único e que me senti honrado em vivenciar. Ele me
convidou para sentar-me em uma cadeira confortável e de ouro. Já ele sentou-se
em uma de palha, bonita, porém mais humilde. Falei que não, falei que ele é que
deveria sentar-se na de ouro por tudo que fez em vida. Mas ele me respondeu que
"se em vida não queria desfrutar de riqueza, porque justamente agora ele
iria querer"?
A contragosto, aceitei. Em seguida, um pouco de má educação
da minha parte. Fui logo perguntando a ele: e o Botafogo? Sem, ao menos,
perguntar como ele está. Me responde que pouco acompanha desde então. Agradece
por tudo que vivenciou nos seus dezesseis anos vestindo a camisa da Estrela
Solitária, os vinte e seis títulos e por nunca ter perdido uma final sequer em
toda a sua carreira profissional.
Começa a me contar histórias dos tempos de Carlito Rocha,
Sandro Moreyra, João Saldanha, Garrincha... Interrompi por um instante e
perguntei: e eles, você os reencontrou? "Olha, garoto, na Terra, não
acreditava que isso seria possível apesar de ser um desejo pessoal. Para mim,
morreu, era o fim. Porém, sim, os reencontrei. Vi São Pedro no céu e o Sandro e
o João eram seus amigos." Para completar em seguida: "Garrincha,
quando me viu, ficou em uma alegria só, dizendo que o compadre dele tinha
chegado. Até o Biriba eu vi, sempre ao lado do 'seu' Carlito, que ficou
emocionado quando me viu pela primeira vez por aqui".
E finalizou. "Mas confesso que, até agora, não sei se
tudo isso foi real. Se realmente eu vivenciei, apesar de não estar na carne, ou
se foi um sonho, uma projeção. Enfim, apenas posso dizer que tenho esse momento
com muito carinho em minha lembrança". Íamos voltando para a nossa
conversa anterior, mas logo em seguida me diz: "Também encontrei Flávio
Costa e Armando Marques. Mas o que aconteceu no passado entre a gente ficou por
lá. Não há mais mágoa de nenhum lado. Apertei as mãos de ambos e ficou tudo bem
resolvido".
Nílton continuou me falando do seu tempo de Botafogo, de
jogador a dirigente e torcedor. Notava-se que as palavras dele eram de extrema
amabilidade pelo que sentia por General Severiano. Me emocionava a cada letra,
mas procurava conter-me e não escorrer nenhuma lágrima em meu rosto.
E o futebol? Perguntei a ele. Assim como o Botafogo, ele não
acompanha mais. E me diz que, de vez em quando, ainda bate uma bolinha de onde
está, para a minha surpresa. Lá, é a velha pelada que nós conhecemos por aqui.
Por exemplo, o goleiro ainda pode pegar com as mãos quando a bola é recuada por
um beque do seu time. Não existe noite. Não existe dia nublado. Por isso, por
sempre ter o dia iluminado, ao ver uma sombra atrás dele, logo sacava que era
adversário. Daí ele passava o pé em cima da bola e recuava ao goleiro. Malícia
de usar o Sol pelo que aprendeu com o seu pai, que era pescador. Tempos de
juventude no Flecheiras, antigo bairro na Ilha do Governador.
Foram histórias atrás de histórias. Muitas! Por um longo
instante, me calei e deixei-o falar, aproveitando cada momento e o
reverenciando calado, apenas com o olhar. Daí, me lembrei: "Nílton, sabia
que, se ainda estivesse na Terra, hoje, você completaria noventa anos"? E
ele me respondeu com surpresa que não. "Ah, garoto, aqui, a noção do tempo
é diferente do da Terra. Por isso, nem desconfiava que hoje seria meu
aniversário". Sendo assim, contei a ele que teve uma grande festa em sua
homenagem e que o Botafogo venceu por 4 a 1 (não, não quis contar a ele que o
Botafogo estava na Série B). Nossa Enciclopédia ficou feliz.
Contei a ele, também, que o Botafogo conseguiu mudar o nome
do Engenhão para estádio Nílton Santos para, em seguida, ele me dizer, com
modéstia, que "não merecia tal homenagem, não merecia tanto". Sim,
você merece, completei. Ele sorriu, e completou dizendo que "depois de
tanto tempo, ainda fica envaidecido por ser lembrado com saudade até hoje".
Contudo, o papo teve seu fim. Infelizmente. Foi eterno
enquanto durou. Ele apertou minha mão, me deu um abraço e me agradeceu pela
nossa conversa. Eu agradeci ainda mais. Quando já tínhamos nos despedido, ele
falou de longe: "ah, garoto. Lembra que nem desconfiava que hoje poderia
ser meu aniversário? Minutos atrás desconfiei, sim. Antes de nos encontrarmos
aqui, chegou um monte de balões aqui com uma bandeira com minha foto. Sendo
assim, agradece à torcida pela lembrança, por favor". Pode deixar,
completei.
Foto: Vitor Silva. |
Quando voltei à Terra - não sei de que forma -, a garganta
deu um nó, o peito ficou apertado e os olhos marejaram.
Uma lágrima escorreu no meu rosto.
Chorei.
Ah, e não posso esquecer. Nílton Santos mandou lembrança a
todos os botafoguenses como agradecimento pela homenagem do último sábado.
Sintam-se todos abraçados pelo nosso camisa seis.
Por: Thiago Hildebrandt.
Sintam-se todos abraçados pelo nosso camisa seis.
Por: Thiago Hildebrandt.
Luz eterna
Reviewed by Thiago Hildebrandt
on
maio 17, 2015
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Precisava dessa homenagem e de muitas outras! Lindo o texto! Me senti como se estivesse conversando com ele também.
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